segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O Poder da Memória -Projeto de Educação Patrimonial da Escola Santa Luzia


O  PODER DA MEMÓRIA
PROJETO DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL DA ESCOLA SANTA LUZIA



Reconhecer  que  todos  os  povos  produzem cultura,  que  cada um tem  uma forma diferente de se expressar e que todos os povos  e suas  culturas não são iguais, significa aceitar a diversidade cultural. Este conceito de diversidade nos permite  ter  uma visão  mais  ampla e   reconhecer também  que  não  existem culturas  superiores  e  culturas  inferiores,  assim  como  não  deve  existir  julgamento de outras culturas a partir da nossa.
A  interpretação  histórica  da  descoberta  da  América,  sua ocupação  pelos povos  europeus  e  o processo colonizador é um bom exemplo para aplicarmos o conceito de diversidade cultural, especialmente quanto a enunciados como  "um povo mais civilizado do que outro", ou "os europeus civilizaram o índio".
 A cultura  se identifica através de seus produtos materiais e nas suas múltiplas maneiras  de  usá-los.  Os bens culturais são aqueles  através dos quais podemos compreender  e  identificar  a  cultura  de  um povo,  em  determinado  lugar  e momento  histórico.  Estes  bens culturais  podem  ser  tangíveis  ou intangíveis. O objeto  cultural ou evidência material é o bem tangível, aquele que posso pegar,tocar: um livro, uma casa, uma panela, um quadro, um documento, um instrumento musical, um jornal,  uma fotografia,  um ônibus, etc.  O intangível  é  aquele  que acontece  em  determinado  momento  e não se materializa  através do tempo, não se  perpetua: a  execução de uma música,  uma  procissão,  um ritual  de  umbanda, uma forma de plantio, um processo de fabricação de vinho, etc.  Somente através de seu registro,  que pode ser escrito,  filmado,  fotografado, que  se materializa.
Os bens culturais podem ser também consagrados ou não, de acordo com os valores e a ideologia que ditaram e ditam os  critérios para sua  preservação.  O que  ficou preservado, na maioria das cidades, como bens consagrados? As igrejas, as casas dos governantes, as câmaras e cadeias, as construções das pessoas ligadas  ao poder,  classe dominante. Onde estão os outros bens culturais? O que aconteceu a eles?

Fragmento do texto Educação Patrimonial —
Utilização dos Bens Culturais como Recursos Educacionais
De Evelina Grunberg








 O poder da memória – Projeto de Educação Patrimonial da Escola Santa Luzia propõe a Educação Patrimonial como ensino centrado nos bens culturais, não como simples objetos de contemplação e conformação social, mas como testemunhas da história, elo entre o passado e o presente, entre vivos e mortos e acima de tudo como um convite à ação, portanto, ao exercício da cidadania. O projeto tem como objetivos: promover a ativação das memórias sociais, a preservação das memórias e dos patrimônios culturais e a apropriação pelos indivíduos de suas heranças culturais. Parte do presente, da realidade dos alunos e propõe a investigação, a procura das suas raízes culturais e as da comunidade em que vivem a fim de se reconhecerem como agentes da história e criadores da cultura. O poder da memória – Projeto de Educação Patrimonial da Escola Santa Luzia é desenvolvido em parceria com o Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, através da oficina realizada por estes, dirigida a professores, e intitulada Educação Patrimonial e Cidadania. A criação do blog tem o apoio tecnológico do CDI Comunidade IAPI.

Professora de História responsável pelo projeto: Carla Moura
Contato: carlamoura78@gmail.com




Atividades do Projeto de Educação Patrimonial da Escola Santa Luzia


Atividades do Projeto de Educação Patrimonial da Escola Santa Luzia

1. Observação

Roda do Patrimônio

Perguntei aos alunos o que entendiam por patrimônio e as respostas foram bem interessantes: “É algo de valor”, “É o que se deixa de herança”, “É da pátria”. Considerei-as satisfatórias como ponto de partida, porque nesta etapa do trabalho interessa deixar com que se movam livremente em torno do conceito, realizando articulações com suas experiências de vida e observar as contextualizações que os alunos fazem para o vocábulo patrimônio. Foram apresentados aos alunos que estavam dispostos em roda, objetos ou imagens que registram bens culturais materiais e imateriais e bens naturais enumerados de um a doze: chimarrão, fotografia de edificações e paisagens, pinturas, artesanato, instrumento musical... Durante o contato sensorial dos alunos com os objetos dispostos, pedi-lhes que fizessem um registro bem simples:

- Para vocês, quais destes objetos e imagens podem ser considerados patrimônio?
- Descreva o objeto ou imagem em uma palavra

A partir da análise dos registros feitos pelos alunos, iniciei uma conversa a fim de trabalhar o conceito de patrimônio. Houve divergências entre praticamente todos os bens culturais e naturais quanto ao questionamento - Para vocês, quais destes objetos e imagens podem ser considerados patrimônio? Mas a grande maioria, 90% dos alunos afirmaram que as edificações da Praça da Matriz em Porto Alegre, o chimarrão e a Festa de Santo Antônio, realizada no bairro da escola são patrimônio. Portanto consideraram a priori patrimônio, aquilo que faz parte das suas vidas, das suas histórias. Mas como o chimarrão, as edificações da praça da Matriz e a Festa de Santo Antônio que tem um longo passado chegaram até os dias de hoje? Responderam: “guardando”, “cuidando”, “passando de pai pra filho”. Patrimônio é o legado que recebemos do passado, vivemos no presente e transmitimos às futuras gerações. Mas para que isso aconteça é importante a preservação. Também foi unanimidade entre os alunos que o quadro Os retirantes, de Cândido Portinari, não era patrimônio, a este, atribuíram em suas descrições: “feio”, “horrível”, “pobre”. Então lhes perguntei se apenas o bonito e o rico deveria ser preservado e responderam que sim. Mas a história não é feita apenas do bonito e do rico não concordam? Existe a miséria, as injustiças, as desigualdades, as violências, as guerras... Estes acontecimentos não devem ser lembrados?



Filme: O grande Tambor seguido de debate

O Filme O Grande Tambor colaborou no sentido de  trabalhar o conceito de patrimônio enquanto discurso e perceber que investe-se de importância um objeto, lugar, conhecimento, ritual, modo de vida, festas, comemorações, personagem... Os vestígios do passado são selecionados pelas sociedades para lembrar o passado que estas escolheram e o sentido do passado está em disputa por diferentes atores sociais. A partir do entendimento de que a presença e influência negra é ocultada na história do Rio Grande do Sul, estado que forjou sua europeização e que se representa através de um gaúcho branco montado à cavalo, os alunos reconheceram a importância da preservação, assim como da produção de outras memórias e sua análise. É desta forma que o Tambor de Sopapo evoca a memória do trabalho escravo nas charqueadas, as estratégias de resistência cultural dos negros escravizados, a traição aos Lanceiros Negros durante a Revolução Farroupilha, a história do Carnaval do Rio Grande do Sul...

 Nesta etapa do trabalho se deu a sondagem do que os alunos identificam como patrimônio da comunidade: Escola Santa Luzia, Igreja e Festa de Santo Antônio, Gruta da Maria Degolada, Pequena Casa da Criança, Academia Samba Puro, Vermelhão e Academia do Morro.






2. Registro

Foram realizadas saídas de campo com os alunos com o objetivo de fotografar os bens culturais escolhidos por eles como Patrimônio da Comunidade.

3. Exploração

Nesta etapa do trabalho foi realizada a análise das fotografias dos bens culturais da comunidade tiradas pelos alunos. Realizamos pesquisa em livros e na internet sobre a história dos bens registrados. A leitura do material encontrado foi realizada de diferentes formas: leitura de livros em grupo, leitura de histórias pela professora, leitura oral pelos alunos e leitura de textos localizados na internet. Buscamos responder a inúmeros questionamentos: Como a história da Maria Degolada acontecida há mais de cem anos, entre tantas outras prostitutas assassinadas chegou até nós? Porque o nome da Vila e da Francelina passou de Maria Degolada à Maria da Conceição? Porque o nome da nossa escola era A Vila Santa Luzia? Porque a Escola de Samba Academia Samba Puro teve seu samba enredo censurado em 1989, se a ditadura militar já havia acabado? Muitas destas perguntas geraram novos questionamentos, teorias erradas foram formuladas e depois esclarecidas e algumas questões permanecem sem resposta. Neste sentido esta etapa do trabalho se mostra um processo, sem fim. Continuamos levantando dados, realizando entrevistas, buscando preencher as lacunas da história. Ainda fazem parte da etapa de exploração o percurso Territórios Negros em Porto Alegre e a visita ao Arquivo Público do estado do Rio Grande do Sul, na qual os alunos participaram da oficina de Educação Patrimonial Os Tesouros da Família Arquivo.



















4. Apropriação

Sistematização das informações pesquisadas em um blog - espaço virtual de memória comunitária e de socialização da experiência pedagógica, intitulado O Poder da Memória.


Exposição fotográfica na Festa da Consciência Negra da Vila Maria da Conceição





 Tombamento simbólico com a entrega do Prêmio Patrimônio da Comunidade em festa comunitária realizada na Escola Santa Luzia






  





Faltava era uma oportunidade


Faltava era uma oportunidade


Na Conceição, primeiro nós fundamos a Escola Unidos da Conceição, que terminou, antes do primeiro desfile, despois nós fundamos o Ari Barroso, antes de fundarmos a Sampa Puro. O Ari Barroso, era num prédio que ainda existe na Mário de Artacão, em frente o Vermelhão. Formamos uma diretoria, eu, Mestre Papai, João das Guias, Colete, Bolachão, e botamos mão à obra, promoção, ensaio, som, nos fins de semana.
Ao final de cada ensaio na quadra, na hora de conferir os lucros, sempre se comentava os acontecimentos e, todos os dias, tinha uma bronca e o causador era sempre o mesmo. Um dia ele abusou com a mulher de alguém, no outro, deu uma garrafada num componente, botaram o cara pra rua, e ele arrebentou o telhado a pedrada. A coisa estava demais, era preciso parar o cara.
Mestre Papai, na sua santa calma e sabedoria, disse: “Me traz o Sabonete aqui. Lá pelas três da tarde, deixa ele dormir e pegar ele de cara limpa”.
Três horas, nós lá e chega os guri escoltando o Sabonete, este era o apelido dele. Mestre Papai fala: “Senta Sabonete. E eu mandei te chamar, porque a escola esta precisando um cara assim como tu, que se criou no morro e conhece todo mundo, que saiba lidar com os rebeldes e nós, lembramos de ti, quer fazer a segurança pra nós?”
Enchemos a bola dele e ele aceitou, cheio de si, prometeu solenemente manter a ordem e a segurança do local. “Tá, já começa hoje!” Demos um crachá, onde ele é o chefe da segurança. Ele, um cara que sempre andava sujo e bêbado, a partir daquele dia, ia aos ensaios de cara limpa, banho tomado e roupas limpas e claro, com crachá no peito. O nego dava qualquer vacilada, e lá estava ele, advertindo: “Te comporta, senão eu te boto pra rua!”. E tudo voltou à normalidade e o trabalho do Sabonete, foi tão essencial, que ao fim de cada ensaio, levava até uma merreca. O que faltava era o cara ter uma oportunidade.
                                                     
  Fonte: Clínica Geral – Memórias do Mestre Paraquedas





domingo, 14 de outubro de 2012

O Grande Tambor


O Grande Tambor


O filme narra a trajetória do Tambor de Sopapo, que carrega a história da diáspora africana no Rio Grande do Sul. Sua matriz vem pelas mãos e mentes dos africanos escravizados para a região das charqueadas, ao extremo sul do Brasil. É considerado sagrado, retumbando o som por séculos de um purificar religioso para os rituais de matança - realidade presente nas propriedades que produziam o charque entre os séculos XVIII e XIX. A partir da década de 1950, inicia seu caminho no carnaval, quando surgiram as primeiras escolas de samba no estado. O Grande Tambor conta uma parte da história sobre a contribuição dos negros e seus descendentes na formação simbólica e cultural do povo do Rio Grande do Sul. Sobreviveu pelas mãos de Mestre Giba Giba, percursionista que tratou este instrumento com a grandeza de sua história, seja na Escola Praiana, como no seu trabalho de músico e de Mestre Baptista, Griô, que preservou a memória e a arte da fabricação de um instrumento de som grave e marcante e que hoje é patrimônio brasileiro.

Alunos da Escola Santa Luzia fazem oficina de sopapo com o Mestre Wado. 
 PERCPOA








Religião de Matriz Africana na comunidade


 Religião de Matriz Africana na comunidade


As fotografias a seguir vem do álbum de família da aluna Maria Lohana, da turma 61 da Escola Santa Luzia. Seu irmão, Cauan também estuda na escola, na 8° série. A mãe dos adolescentes dirige um Centro de Religião Africana na comunidade - Centro de Umbanda Cruzada Ilê de Oyá, tradição herdada do avô...




















Festa da Consciência Negra da Comunidade da Vila Maria da Conceição 2012/Vermelhão












Territórios Negros