Pequena
Casa da Criança
Se não fosse a Pequena Casa não
teria onde deixar as crianças para os pais trabalhar. As crianças ganham
alimento, sapato...Isso que pra mim é o patrimônio da comunidade. Natalia/61
A Pequena Casa da Criança é
importante porque é um tempo de alegria para as pessoas de rua, que trabalham
no sinal. Sheron Evangelista/61
A Pequena Casa é um SASI,
colégio, posto de saúde, igreja. Ela é patrimônio por estar há muitos anos na
Vila Maria da Conceição, e ter um bom uso pelas crianças, adultos e idosos. Francielle/62
Já se passaram 56 anos desde que a irmã Nely
Capuzzo, da Congregação das Missionárias de Jesus Crucificado, ao constatar que
uma comunidade porto-alegrense vivia numa realidade social de extrema
vulnerabilidade e precisava de ajuda, direcionou sua vida e seu trabalho para
fundar a Pequena Casa da Criança. Foi, então, em 1956, ao acreditar na
educação, na possibilidade de mudança social, bem como no reconhecimento do seu
trabalho, que a Imã Nelly deu início a grandes mudanças na comunidade da,
então, Vila Maria Degolada. Atualmente, a padroeira da Pequena Casa da Criança,
Nossa Senhora da Conceição empresta o seu nome à comunidade. Sob a presidência da Irmã Pierina, sucessora da Irmã Nely, a Pequena Casa segue empreendendo transformações através dos inúmeros projetos que desenvolve, com o auxilio dos
colaboradores, doadores e da comunidade. Hoje, 1.147 pessoas da comunidade, incluindo crianças, adolescentes e idosos, são atendidas pela Pequena Casa.
Reconhecida como um centro comunitário por excelência, a Pequena Casa tem uma
trajetória marcada por ações de educação, profissionalização, mobilização comunitária e de assistência social e um passado de muito trabalho, cujos
resultados estão no reconhecimento da sociedade.
CARTILHA
DE PRINCÍPIOS DA PEQUENA CASA DA CRIANÇA
1.ATUANDO
na Pequena Casa da Criança, você estará
atuando numa camada social infra-humana. A nutrição,habitação, educação e
desenvolvimento tem como denominador comum o SUB. Por isso toda a atividade
deve estar em função do meio ambiente.
2.TODO
Trabalho de educação e cultura deve partir
da situação educacional, da linguagem local, ou da classe social em que se vai
trabalhar.
3.SUA
Presença na obra já é um ensinamento. O seu
ensino seja coerente e continuação desta
4. A SOLUÇÃO
Do problema de uma pessoa não deve dar por
encerrada a missão do profissional. Além da recuperação parcial, há outras
metas ainda:
-integração na comunidade através dos
movimentos existentes ou a serem criados caso sejam necessários;
-integração na política brasileira, pois o
homem é também um produto de ações do meio.
5.DEVEMOS
Integrar-nos na política brasileira mas sem
nos deixar conduzir pelos acontecimentos.
Devemos construir nós mesmos a nossa história.
Entrar dentro dos acontecimentos para orientá-los.
6.A EDUCAÇÃO
É antes de tudo iniciação à vida pessoal. “
Uma educação de massa seria uma educação descoroada, como uma civilização de
massa é uma civilização desumana”
7. A EDUCAÇÃO
Deverá levar o homem a realizar uma síntese
total da existência, dando-lhe uma consciência do todo.
8. SENDO
A Palavra Divina que faz esta síntese
humana, será, portanto, transmitida a palavra de Deus que permitirá o diálogo
do homem com Deus e de Deus com o homem.
9. A EDUCAÇÃO
Deve visar o homem todo: social, espiritual
e economicamente, pois só assim lhe dará a possibilidade de integrar-se no todo
da existência. Cada ser humano é pessoa, i. é natureza dotada de inteligência e
vontade livre.
10. A EVANGELIZAÇÃO
Deve atingir o homem lá onde ele se
encontra, falando-lhe daquilo a que confusamente aspira: a justiça, o bem, a
verdade, o absoluto.
11. É CONDENADO
Todo o trabalho de profissional nesta OBRA,
que procurasse acomodar a pessoa humana com o meio em que vive.
12. TODO
Método ou sistema escolhido para a educação
deve levar em conta a atual realidade. Só será válida a educação que dê ao
homem condições concretas de libertar-se, de entender e resolver seus
problemas.
13. NÃO
Se devem adaptar métodos ou sistemas. As pessoas
merecem a criação de novos.
14. ENTRE
Os movimentos patrocinados pela OBRA, terão
prioridade aqueles que são a união e libertação dentro das aspirações
populares: movimentos comunitários, reuniões, debates, etc.
15. NENHUMA
Formação deve ser imposta. A atuação junto
à pessoa deve ser em forma de DIÁLOGO.
16. TODA
Educação será em termos de participação
efetiva. Toda a pessoa é sujeito da educação.
17. SERÁ
Considerada condenável toda a educação
nesta OBRA que não englobar estes aspectos.
Fonte: Miséria quem te gerou? Irmã Nely Capuzzo
Esperamos
pela Prefeitura durante dois meses para demolir a parte velha da casa. Falando
com o diretor do Departamento de Habitação, este prometeu e não cumpriu. Como
não podia esperar mais, pois as aulas iniciariam em março, fiz um apelo aos
moradores da Vila e, no fim de semana, 20 homens apareceram para trabalhar.
Enquanto os adultos demoliam a casa, as crianças iam carregando as telhas. Quem
mais ajudou neste trabalho foram os “malandros”, aqueles a quem todos atacam,
inclusive os próprios moradores do morro. Convidei-os a darem uma mão e vieram.
Com amor tudo se consegue, até mesmo que criminosos, maconheiros ou ladrões cooperem para o bem comum. Enquanto o prédio ia sendo demolido, eu pensava:
Como é fácil destruir! Uma casa que demorou mais de um ano para ser erguida,
agora, em 24 horas apenas, está toda destruída. Assim é a vida. Destruir é
muito fácil, o que é difícil é construir, por isso tantos destroem e tão poucos constroem. Com uma palavra podemos destruir anos de trabalho. Em todos os campos a destruição é mais fácil. Como devíamos cuidar para não destruir o
próximo, para não apagar a “mecha que ainda fumega, para não quebrar o caniço
rachado”. Apesar desta demolição ser necessária para construir melhor, o coração humano não deixou de sofrer vendo cair uma a uma aquelas telhas, paredes, erguidas com tanto sacrifício, mas é preciso morrer o grão para nascer
o fruto. Terminada a demolição, aguardamos de novo pela Prefeitura e nada. Duas
vezes estiveram no morro para fazer um “levantamento” da necessidade e ficou nisso. O problema agora era a remoção de dois barracos. Seus moradores concordaram em ceder o local para o colégio. O tempo corria e as promessas continuavam em apenas promessas. A imprensa se interessou pelo problema. O repórter "Esso" noticiou e nada. Vendo que seria uma inútil espera pelo poder
público, reunimos novamente os moradores e, em pouco tempo, fizeram as duas remoções. Não sei onde há mais desonestidade, se no morro, onde malandros,
maconheiros e ladrões são conhecidos como tais, ou se nas repartições públicas,
onde a desonestidade está ocultada pela gravata e fatiota. Quando pedi
colaboração do Departamento de Habitação, o Diretor , que me mandou falar com o Diretor Administrativo para acertar a ida dos operários, prometeu que iria ajudar pois a obra estava colaborando com ele.
Fui esperançosa falar com este subalterno, mas qual não foi a minha surpresa
quando este me diz: Como? O Diretor sabe que eu não tenho pessoal, e como manda
a senhora falar comigo?!!... Diante disto eu nem tentei voltar ao Diretor Geral.
O mesmo aconteceu noutra repartição. Falei com o Secretário, este despachou meu
pedido e mandou-me a um Diretor para acertar as formalidades legais, inclusive dizendo-me que já havia conversado com ele a respeito. O Oficial de Gabinete deixou-me na sala do Diretor e retirou-se. Fui recebida de má vontade. O Diretor se pôs na minha frente e perguntou o que eu desejava. Mas o Senhor
Secretário já não lhe falou a respeito? Não, não sei de nada. Expus-lhe em rápidas palavras e ele me respondeu: Senhora, volte segunda-feira que vamos
estudar seu caso... Mas o Secretário já despachou, disse que não há problema
algum. Isto é coisa do Secretário, disse levantando-se para atender o telefone.
Diante disso despedi-me e voltei ao Oficial de Gabinete. Eu queria uma
informação sua. Pois não irmã. Podia me informar em quem se deve acreditar? Se
na palavra do Senhor Secretário ou a do Diretor a quem o senhor me levou?
Porque esta pergunta? Porque falando ontem com o Senhor Secretário ele me disse
uma coisa, falando hoje com aquele Diretor, ele me disse ao contrário,
inclusive desmentiu o que o Secretário havia dito. O Oficial de Gabinete deu um
sorriso amarelo e ficou meio confuso. Foi lá dentro e mostrou-me o despacho do
Secretário, mas eu continuava na dúvida em quem se deve acreditar? Recorri a
vários órgãos, solicitando operários para erguer o novo pavilhão durante o
período de férias. Numa determinada Secretaria um Diretor me disse: Nós lhe
faremos o projeto. Agradeci e perguntei-lhe quando estaria pronto. Estávamos em
dezembro. O prédio precisava ficar pronto em março. O Diretor sabia da urgência
do pedido, inclusive eu estava acompanhada da esposa do Secretário que também prometera
operários. Daqui um mês mais ou menos. Quer dizer que ele me daria o projeto em
fevereiro. Até pensei que ele estivesse brincando comigo. Como poderia o prédio
ficar pronto em março? Saí dali deprimida e resolvi deixar de lado o poder
público. Iniciei a obra com os próprios moradores. Eu mesma teria que ser
arquiteto, engenheiro e construtor. Consultei vários técnicos amigos e
experientes e a eles recorria, sempre que necessário. Com fé em Deus e ajuda
dos moradores, iniciamos a construção, e as aulas puderam recomeçar no início
do ano letivo.
Fonte: Do porão da humanidade, Irmã Nely
Capuzzo
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