Vermelhão
Lá acontece a festa do dia dos
negros, jogos, campeonatos, festa junina...meu patrimônio é o Vermelhão onde eu
nasci, cresci e vivi. Tenho orgulho da minha “Vila”. Tayrine/62
O Vermelhão é importante para a
comunidade porque é lá que as crianças se divertem. Também porque é o local
onde acontecem as festas, principalmente a Consciência Negra. Ádrini/61
A vila Maria da Conceição possui uma alta densidade demográfica, a qual ocupou inclusive as áreas de praças da
comunidade, restando apenas a área do Vermelhão, que mesmo assim possui várias famílias que construíram suas casas no entorno da praça.
Até
meados dos anos oitenta não havia um único local destinado à prática de esportes
na Maria da Conceição, então surgiu uma possibilidade: um terreno de aproximadamente
600 metros quadrados, situado na parte alta do morro, com uma
bela vista da cidade, onde outrora montavam-se os circos - depois deles veio uma
escola improvisada e mais tarde um depósito de material de construção do Município.
Quando o depósito foi desativado a comunidade fez com que o terreno se
transformasse num pequeno campo de futebol. Mas o terreno era de propriedade particular
e a qualquer momento, quando o mercado imobiliário julgasse pertinente,
poderia ser dada outra destinação. Seu Manoel, um
senhor de 81 anos, 48 de Maria da Conceição, decidiu-se à luta para
que o poder público adquirisse aquela área. E não era apenas isso: quis manter
o “campinho de futebol da gurizada”. Em dezembro de 2001, numa manhã de
domingo, Seu Manoel foi anfitrião do prefeito e de
outras autoridades municipais que participaram do cerimonial de “posse do
terreno”. Seu Manoel estava muito orgulhoso por ter sido um dos batalhadores
para a conquista daquele espaço, uma luta que começara em 1992. A
boa vontade do poder público não fora suficiente para que a negociação tivesse o
êxito e a rapidez desejados. Foi preciso permutar o terreno com os
proprietários e isto demorou mais do que o imaginado, com vários
imprevistos no decorrer do processo. A insistência, com
incontáveis audiências e peregrinações pela burocracia, exigiu
muito esforço de Seu Manoel, como exigiria de qualquer trabalhador que
além do seu sustento estivesse envolvido com os “problemas” da comunidade. Para
o dia da inauguração, Da Tabela organizou um pequeno torneio entre equipes
de crianças e adolescentes da Vila. A SME deslocou o ônibus Brincalhão, estacionado
numa rua lateral, abaixo do nível do campo. Parte dos brinquedos não puderam ser
usados por falta de espaço, tendo a cama elástica permanecido (mal
fixada) numa das bordas do Vermelhão. A certa altura a
brincadeira foi interrompida para as falas do prefeito e demais autoridades,
entre as quais seu Manoel. Em seu depoimento ele contou a história de
como havia sido a luta para conquistar aquele espaço, sendo que de tempos em tempos
havia uma pausa seguida de um olhar em direção ao prefeito e às demais lideranças
locais que balançavam afirmativamente a cabeça. Ao final, mencionou os
planos para incrementar o local e a importância que ele teria para as crianças
do morro. Tempos depois o Vermelhão recebeu o tão sonhado
telamento (alambrado), adquirindo uma nova “presença”.
O mais importante, segundo Seu Manoel, é que agora ele
está seguro de que aquela comunidade tem espaço para o “divertimento”. Ele
sabe o quanto estes espaços são importantes na Vila e isto que ele nem liga
para o futebol, orgulhando-se, assanhado, de nunca ter posto os pés no estádio
do Grêmio e tampouco do Internacional. (Descrição construída a partir de
vários diários de campo, desde a inauguração do Vermelhão (dezembrode 2001),
visita ao local durante a realização do telamento e bate-papo/entrevista
com Seu Manoel (julho/agosto de 2002)), realizada por Arlei Sander Damo,
professor do Departamento de Ciências Humanas da Universidade de Santa Cruz do
Sul..
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